A nova política industrial brasileira: três fontes de otimismo e três pontos de cautela
Neste blog, o analista de políticas e PhD em desenvolvimento econômico pela Universidade de Cambridge Mateus Labrunie discute a nova política industrial do Brasil, a Nova Indústria Brasil, lançada em resposta a décadas de desindustrialização do país. Mateus é otimista quanto ao impacto potencial da política, mas também oferece palavras de cautela com base em sua experiência no desenvolvimento de políticas industriais.
Nova Indústria Brasil: plano da nova política industrial do Brasil
Em 29 de janeiro de 2024, o governo brasileiro lançou seu novo plano de política industrial, Nova Indústria Brasil, como resultado dos trabalhos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). A política é oportuna, pois desde a década de 1980, a ampla e diversificada base industrial do Brasil tem sido esvaziada em um processo de desindustrialização prematura.
Algumas tentativas de política industrial foram feitas no Brasil nos anos 2000, mas tiveram efeitos limitados e não conseguiram transformar fundamentalmente a estrutura produtiva do país. Agora, em um novo contexto global e nacional, no qual as preocupações ambientais estão no topo da agenda e as mudanças geopolíticas abrem novas oportunidades, a Nova Indústria Brasil surge como uma tentativa importante do governo brasileiro de atualizar as atividades produtivas do país e vinculá-las a ambições ambientais e sociais.
A política visa alcançar a “neoindustrialização” do Brasil por meio de seis missões que abordam segurança alimentar, resiliência da saúde, infraestrutura, digitalização da indústria, transição energética e segurança nacional. Ela sugere várias medidas de política importantes, como a expansão do papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da agência de inovação (FINEP), uma expansão do programa de desenvolvimento de pequenas e médias empresas Brasil Mais Produtivo, e mecanismos de compras públicas e requisitos de conteúdo local. Os compromissos orçamentários também são significativos, com mais de R$300 bilhões (US$60 bilhões) comprometidos até 2026. As declarações da política também enfatizam o monitoramento de desempenho dos atores subsidiados – uma característica essencial das políticas industriais historicamente bem-sucedidas dos países do Leste Asiático.
Como economista do desenvolvimento especializado em política industrial, é difícil conter minha empolgação. No entanto, como Gramsci aconselha, é importante equilibrar o otimismo com a cautela. Neste artigo, apresento três razões para o otimismo e três palavras de cautela com base em minha experiência trabalhando com governos de todo o mundo na Cambridge Industrial Innovation Policy.
Três razões para ser otimista
Três grandes tendências trazem otimismo em relação à nova política:
- “Policy space” internacional expandido. Desde a década de 1980, os países em desenvolvimento foram desencorajados e, em alguns casos, proibidos de usar políticas industriais para o desenvolvimento econômico por organizações internacionais informadas pela corrente principal da economia. Hoje, o cenário é muito diferente. A política industrial tem ganhado destaque na academia e nos círculos políticos, com países líderes se tornando muito explícitos sobre suas políticas industriais e comprometendo uma quantidade sem precedentes de recursos com elas. Exemplos importantes são o CHIPS and Science Act e a Inflation Reduction Act nos EUA, que juntos alcançam mais de US$1 trilhão, e o European Chips Act e o European Green Deal na União Europeia, comandando cerca de €650 bilhões ao todo. A adoção dessas políticas em países centrais cria legitimidade internacional para políticas industriais em países em desenvolvimento.
- Busca global por produção resiliente e ambientalmente sustentável. Disrupções nas cadeias de suprimentos globais, como as causadas pela pandemia de COVID-19 e pelo conflito armado na Ucrânia, chamaram a atenção para a necessidade de cadeias de suprimentos globais resilientes. Isso é ainda mais intensificado pelo crescimento econômico da China, que é vista por alguns governos ocidentais como uma ameaça à sua segurança econômica. Neste contexto, os setores público e privado dos países ocidentais estão começando a promover a diversificação geográfica das cadeias de suprimentos globais da China para outros países e regiões. Essa tendência é conhecida como near-shoring. Além disso, o imperativo global em direção à sustentabilidade ambiental está levando governos e empresas do Norte Global a buscar maneiras mais verdes de produzir. Isso muitas vezes envolve a realocação da produção para países, como o Brasil, que têm um suprimento de energia mais limpo e o potencial de ampliar a energia renovável e outras fontes de energia, como o hidrogênio verde.
- Condições macroeconômicas. Apesar do discurso global predominante contra políticas industriais, o Brasil implementou várias iniciativas políticas importantes nos anos 2000, como a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e o Plano Brasil Maior (PBM). Estes tiveram efeitos positivos importantes, mas não conseguiram transformar fundamentalmente a estrutura produtiva do país, que se tornou ainda mais dependente de commodities agrícolas e minerais. Uma explicação comum para esse impacto limitado é o ambiente macroeconômico que prevaleceu no país no período, com uma das maiores taxas de juros do mundo e uma taxa de câmbio sobrevalorizada, que foi fundamentalmente prejudicial para a atividade industrial. Desde 2020, no entanto, a taxa de câmbio brasileira está em um nível muito mais benéfico para exportadores industriais (em torno de 5:1 em relação ao dólar, em vez de 2:1 que prevaleceu durante os anos 2000 e primeira metade dos anos 2010). Além disso, o rígido regime fiscal que prevaleceu no país a partir de 2015 (conhecido como regra do “teto de gastos”, que nem mesmo permitia aumentos de gastos relacionados ao crescimento populacional) foi flexibilizado pelo novo governo Lula, permitindo ações de política industrial mais significativas e adequadamente dotadas. As taxas de juros caíram significativamente no período de 2018-2021, mas desde então se recuperaram e continuam entre as mais altas do mundo. No entanto, isso está sendo abordado por meio da expansão do crédito subsidiado por meio de agências de desenvolvimento brasileiras como o BNDES e a FINEP.
Três pontos de cautela
Além desses fatores entusiasmantes, nossa experiência na Cambridge Industrial Innovation Policy de trabalhar com diversos governos ao redor do mundo sugere que existem várias questões que o governo brasileiro deve ter em mente e planejar:
- Assegurar que as missões estejam conectadas às realidades dos setores industriais. A abordagem orientada por missões, desenvolvida pela Professora Mariana Mazzucato da University College London, vem ganhando destaque nos círculos políticos na Europa e na América Latina, e influenciou o desenho da Nova Indústria Brasil. Esta abordagem é útil para conectar políticas industriais modernas a questões sociais e ambientais mais amplas. No entanto, concentrar-se demasiadamente nas missões de alto nível pode negligenciar o fato de que as atividades industriais necessárias para apoiar as missões ainda estão organizadas em setores. Essas realidades setoriais precisam ser compreendidas e os atores domésticos apoiados para garantir a viabilidade das missões e o melhor resultado para o país ao perseguí-las. Em outras palavras, o conhecimento e as estratégias setoriais ainda são necessários e sustentam as atividades necessárias para alcançar as missões. Isso foi reconhecido por uma Comissão co-presidida por Mariana Mazzucato e David Willets, que concluiu que “missões não substituem o apoio aos setores e tecnologias” pois estes são “uma condição prévia para seu sucesso, pois, caso contrário, não haverá capacidade tecnológica e setorial subjacente da qual lançar mão para cumprir desafios e missões”.
- É necessária uma capacidade aprimorada de formulação de políticas e coordenação. Nos últimos anos, houve um esvaziamento da administração pública brasileira, afetando fortemente a capacidade estatal do país. O novo Concurso Público Nacional Unificado busca abordar isso e é um passo em direção à reconstrução da capacidade de formulação de políticas. Esse impulso forte deve garantir que a capacidade de planejamento industrial seja contemplada. Exemplos que podem ser usados como inspiração são as capacidades estatais de Cingapura e do Japão no planejamento industrial setorial. Esses países têm fortes capacidades estatais com funcionários públicos que têm conhecimento aprofundado sobre os setores de seus países e planos de desenvolvimento de longo prazo. Além disso, minha pesquisa de doutorado sobre as políticas de digitalização industrial brasileiras revelou que a coordenação interministerial e inter-agências pode ser aprimorada no Brasil, pois significativas sobreposições e lacunas permanecem no sistema de políticas. Criar instâncias de coordenação entre as diferentes agências é, portanto, essencial para um sistema de políticas completo e bem equilibrado.
- Falhas são inevitáveis. Ter uma política industrial não garante sucesso. Embora as empresas e outros atores de inovação possam ser incentivados a desenvolver novos produtos e serviços ou a melhorar seus processos de produção, no final, eles ainda precisam sobreviver ao teste do mercado e superar seus concorrentes. Mesmo experiências nacionais de políticas industriais altamente bem-sucedidas, como as da Coréia do Sul e de Taiwan nas décadas de 1960 e 1970, tiveram casos de falha notável. Na Coréia do Sul, a mesma política industrial que desperdiçou bilhões na empresa falida Shinjin também produziu Hyundai e Kia – dois dos maiores fabricantes de automóveis do mundo hoje. A abordagem correta deve ser assumir riscos e contar que os casos de sucesso paguem pelos fracassos. A identificação de casos de falha também não deve ser feita apressadamente, pois muitos investimentos industriais levam muito tempo para amadurecer. A empresa finlandesa Nokia, que durante um período dominou o mercado global de telefones celulares, entrou no negócio de eletrônicos na década de 1960 e não registrou lucro por 17 anos. O fabricante de automóveis japonês Toyota é um exemplo ainda mais dramático, pois seu sucesso dependeu de 40 anos de proteção consistente e subsídios do governo. No entanto, também é importante que, uma vez identificado que alguns casos são fundamentalmente falhos, o Estado retire seu apoio. Foi o caso da empresa de energia solar dos EUA, Solyndra, que foi fortemente apoiada pelo governo dos EUA, mas seguiu um caminho tecnológico que não fazia sentido uma vez que os preços de matéria-prima e energia mudaram. Em resumo, a inovação é arriscada, e alguns instrumentos políticos podem ajudar a evitar e mitigar falhas, mas não podem evitá-las completamente. Aprender a aceitar e aprender com casos fracassados é, portanto, um aspecto importante de políticas industriais bem-sucedidas.
Aprendendo com a experiência internacional de políticas
Encontrar o equilíbrio certo entre entusiasmo e implementação cuidadosa é um desafio significativo para o Brasil nesse novo empreendimento. O país está em um momento muito promissor em sua história, em que os contextos internacional e nacional geram otimismo em relação a uma possível transformação estrutural bem-sucedida. No entanto, ainda há muitas incertezas e fatores que têm o potencial de descarrilhar os esforços da Nova Indústria Brasil.
Para ajudar a navegar por essas incertezas, é essencial monitorar o que outros países estão fazendo e aprender com experiências de políticas anteriores. Isso ajudará a identificar oportunidades e evitar as armadilhas que outros países enfrentaram.
Na Cambridge Industrial Innovation Policy, acreditamos que tornar as políticas industriais eficazes é a chave para melhorar vidas globalmente. Esperamos que os formuladores de políticas brasileiros se mantenham atualizados com as lições que a experiência internacional pode fornecer.